segunda-feira, 10 de abril de 2017

O ARTIGO TERCEIRO (3)

     UM ENCONTRO CASUAL

                                         marcio josé rodrigues

Era uma vez numa linda e calma manhã de sol quando Lagoa estava particularmente deslumbrante.
Num remanso junto ao capinzal e perto de uma moita de aguapé trazida pelo riacho, desenrolava-se animada conversa entre eminentes cidadãos de Lagoa.
Phalacrocorax brasiliensis   - Biguá Brasileiro, cormorão.
Esperando um momento oportuno para encaixar sua fala o Sr. Traíra sentenciou:
- Não acham os nobres colegas, que os senhores sapos são criaturas formidáveis?
- Eles são incríveis! Emendou a senhora Traíra, que muito se orgulhava da influência do marido. Além de nadar, podem perfeitamente andar e saltar!.
- E cantam! completou entusiasmada a Perereca.
- Sem contar que discursam maravilhosamente, acrescentou o Biguá. Eu fico todo arrepiado, continuou,  quando eles discursam. Como sabem explicar sobre a nossa vida, a nossa história. Eles falam e a gente entende! Biguá era muito convencido porque constava nos anais que,  o nome “Lagoa” teria sido originado de “Laguna de los Biguás”, batismo de antigos navegantes sapanhóis. (*)
              
- Eles são realmente notáveis!  São artistas natos, inteligências superiores, têm o “dom”! – sibilou a cobra d’água, sem desviar da perereca, os olhos cobiçosos.
 Ela admirava os sapos, mas, pessoalmente, preferia as rãs,  muito mais saborosas, sem aquele leite venenoso no pescoço.

O “bate-papo” ali na esquina do riacho era moda, pois em Lagoa, o que os sapos faziam ou deixavam de fazer, o que diziam e falavam, era o correto e todos copiavam.

As opiniões estavam todas em acordo, divergindo apenas entre simpatias particulares por grupos. Havia os que se diziam dos cururus, outros eram do partido dos verdes, das untanhas, dos pintados e assim por diante.
- Ah... Como eu queria ser um sapo! Suspirou o caramujo, seguido de uma estrondosa gargalhada em coro.
- Por que não? Quem não quer ter a vida de um sapo? O prestígio, a fama, as mordomias, “ o poder”...
         - Mas, não se esqueça também de ficar com as responsabilidades, “seu bagre”! - atalhou bruscamente um carrasco bem grudado na haste de uma taboa. Já pensaram nas preocupações com a educação, a saúde, a administração pública, as finanças?
         - Eles merecem nossa gratidão e nosso respeito! Enquanto nós descansamos à noite eles permanecem acordados e preocupados com a resolução dos problemas da comunidade.
A Educação, a saúde, as finanças.
         - A cultura!
         - Lagoa é o berço da cultura!
         - Lagoa de tantas e tão honrosas tradições!
 
Jacaré, aparentemente adormecido, escancarou de repente a bocarra num grande bocejo e resmungou umas coisas, com visível mau-humor:
         - Que gratidão, que nada! Lagoa está poluída, suja. A comida escasseando, o mangue desaparecendo e só os sapos numa boa! Meus filhos já estão se mudando para outros banhados! Minha mulher passa os dias em lágrimas. ( ninguém ousou rir daquele trocadilho involuntário)
Cobra d’Água explodiu num ataque viperino:
         - Cale a boca, seu ignorante! Você está morrendo de inveja, porque eles têm “O PODER”!
A grosseria do jacaré criou grande mal-estar e causou o fim da agradável reunião, não antes, porém, de se ouvirem-se brados de vivas e louvores.

         - Viva o Sapresidente! Viva o sapoder!
         Perereca, agora mais exposta pelo entusiasmo, nem percebia a mal-intencionada aproximação da Cobra d'Água e  agitava uma folhinha verde enquanto bradava histérica, sobre a moita de aguapé::
         - Lagoa, Terra de Ranita!

      - Viva Lagoa, Terra de Ranita! bradavam em coro, menos o jacaré.


(3) Mbiaçá era o nome da atual Laguna, como assim a chamavam os habitantes locais, os índios Carijós, na época do descobrimento do Brasil.
Navegadores espanhóis do séc. XVI, teriam denominado a "lagoa" que a banha, de Laguna de los Patos, talvez por terem confundido  os biguás que eram aqui abundantes, com patos. Mas, há controvérsias. Particularmente, é minha preferida.

Nenhum comentário: